Por DANIELA MARX
O mercado têxtil global está se redesenhando diante de uma confluência de forças históricas: tarifas de até 54% em produtos chineses impostas pelos EUA, interrupções logísticas com rotas como o Canal de Suez tendo o tráfego reduzido em 75% por risco geopolítico e, uma agenda ESG que deixou de ser diferencial para se tornar requisito obrigatório.
E, neste turbilhão, o Brasil tem real potencial para crescer como líder estratégico, sustentável e competitivo.
Um Novo Cenário Global: Ruptura e Reconstrução
Segundo o State of Fashion 2025, elaborado pelo BoF em parceria com a McKinsey, a dependência global da China para produção de moda vem caindo de forma contínua — de 30% em 2019 para cerca de 22% atualmente. Essa mudança vem sendo acelerada pelas tarifas norte-americanas e pelo movimento de “friend-shoring”, no qual as marcas buscam fornecedores em países considerados “amigos”, politicamente e comercialmente.
Além disso, o transporte global passa por um verdadeiro colapso: as rotas tradicionais pelo Canal de Suez estão congestionadas ou bloqueadas, elevando em até 40% o tempo de entrega entre Ásia e Europa. Isso significa prateleiras vazias, lançamentos comprometidos e pressão nos preços.
Como se não bastasse, outro número chama atenção: entre 70 e 140 bilhões de dólares em mercadorias ficaram parados em estoques globalmente em 2023, fruto de uma equação desajustada entre oferta, demanda e logística.
Enquanto isso, mais de 60% das marcas globais não estão conseguindo cumprir suas metas de sustentabilidade previstas até 2030. A rastreabilidade, que antes era um diferencial, tornou-se uma exigência básica para negociações internacionais.
Brasil: de Espectador a Protagonista Estratégico
Diante desse cenário, o Brasil se posiciona como uma peça-chave na reconfiguração da indústria têxtil mundial. Por quê?
- Geografia Estratégica: nossa proximidade com os Estados Unidos e acordos comerciais com a Europa nos colocam em vantagem logística para o mercado ocidental. A lógica do nearshoring faz sentido, 65% dos executivos americanos consideram aumentar o sourcing na América Central ou América do Sul. Proximidade com EUA e UE reduz riscos e encurta prazos.
Não é apenas discurso, a Steve Madden, por exemplo, realocou 45% da sua produção da Ásia para Brasil e México desde 2021, justamente impulsionada pelas tarifas americanas e pela necessidade de estar mais próxima de seus mercados consumidores.
O mesmo movimento foi seguido pela American Giant, liderada por Winthrop, que provou que é possível conquistar qualidade e reputação apostando em produção local desde que sustentada por escala e estratégia.
- Potencial Produtivo: temos uma das maiores cadeias têxteis integradas do mundo, da plantação de algodão até a confecção final, um ativo raro no cenário internacional.
- Compromisso Crescente com ESG: certificações como BCI, OEKO-TEX e iniciativas como o Programa Texbrasil reforçam a imagem de um Brasil comprometido com boas práticas ambientais, sociais e de governança.
Como destacou o Dr. Sheng Lu, especialista global em cadeias produtivas e professor da Universidade de Delaware:
“Quando falamos de diversificação de sourcing, falamos de reduzir risco e integrar sustentabilidade, e o Brasil pode liderar essa agenda com visão e colaboração.”
- Capacidade Tecnológica: mais de 50% dos CPOs veem automação como critério decisivo para sourcing em 2025. Empresas brasileiras como Audaces já saltaram na digitalização, integrando cadeia produtiva com design e manufatura.
- Custo Logístico Competitivo: com a modernização de portos e investimentos em corredores de exportação, o Brasil tem condições reais de entregar produtos com prazos e custos que competem diretamente com players asiáticos.
- Parcerias Setoriais Consolidadas: ABIT, Texbrasil, Audaces e entidades financeiras devem se encontrar como orquestra, colaborando com o governo para consolidar programas de certificação, acessos a crédito e inserção em blocos comerciais com cláusulas ESG robustas.
O Brasil está diante de uma oportunidade única, temos o perfil ideal para ser hub de fornecimento regional de alta qualidade, pautado por certificação, tecnologia e governança.
Temos capital humano criativo, tradição na indústria têxtil e agora, mais do que nunca, a oportunidade concreta de liderar um novo capítulo no fornecimento global, mais próximo, mais sustentável e mais inteligente.
A construção desse futuro passa por colaboração real entre empresas, governos, associações e iniciativas privadas. Quem investir em tecnologia, eficiência, criatividade e processos enxutos vai não apenas sobreviver, mas prosperar.
A oportunidade está aberta. O Brasil pode ser protagonista, desde que decida ser.
O futuro da indústria têxtil global pede novos líderes. E esse espaço tem as nossas cores.
DANIELA MARX